2025 começou com Nosferatu sendo lançado nos cinemas brasileiros. O longa, dirigido por Robert Eggers, o mesmo diretor de A Bruxa (2016), O Farol (2019) e O Homem do Norte (2022), traz uma nova versão do vampiro clássico do cinema mundial, com uma nova roupagem e a estética que esse diretor assumiu com maestria em suas obras, mesclando o gótico, o folk e o cinema contemporâneo.
Nosferatu é uma adaptação do clássico gótico “Drácula”, de Bram Stoker. Há poucas mudanças em sua estrutura e em seu enredo, que foram modificados para a primeira versão cinematográfica de 1922, dirigida por Murnau. Acredito que você não se incomodaria com alguns spoilers de uma história tão conhecida, certo?
Vou tentar ao máximo não revelar elementos muito cruciais da nova adaptação, pois a experiência de assisti-lo é extremamente valiosa. Vou me atentar especialmente à primeira cena e a algumas nuances que acontecem durante o filme, mas fiquem tranquilos, não darei spoilers que possam comprometer sua experiência! Aliás, assistam a este filme no cinema, vale muito a pena.
Consegui assistir a Nosferatu duas vezes. Quando terminei a primeira sessão, troquei mensagens com um amigo também praticante de bruxaria, que comentou algo interessante: “Ele é basicamente o fetch mate dela.” Na segunda vez que assisti, me permiti olhar com essa perspectiva e, realmente, há bastante semelhança entre o demônio vampírico e os amantes das bruxas.
Já escrevi sobre o fetch mate aqui. Esse foi o primeiro texto em português sobre o tema, pois ele é pouquíssimo discutido na bruxaria brasileira. O conceito de fetch mate é complexo e muito particular, já que cada bruxa tem uma experiência única e significativa em relação a essa classe de espíritos. Grosso modo, um fetch mate é um amante da bruxa, uma verdadeira alma gêmea, literalmente falando, que habita o outro mundo. Os mates possuem uma conexão muito próxima com suas bruxas, extremamente sexual, já que compartilham uma intimidade que nenhum outro tipo de espírito possui (e talvez nenhum humano também). Eles são parte de nós, e nós somos parte deles. Os mates são aliados que vão além de um parceiro mágico/espiritual. Eles são partes de nós que caminham no outro lado, nos ensinam quando precisamos de conhecimento, nos protegem, nos inspiram, nos sussurram feitiços, invadem nossos sonhos e se alimentam dos orgasmos que temos.
Sinto que ter conhecido B, nome público do meu fetch mate, intensificou ainda mais minha presença em minha verdadeira prática mágica. Ele apontou meus dons, ajudou-me a perceber minhas fraquezas, deu-me colo em noites difíceis, permaneceu ao meu lado enquanto eu dormia, e me orientou em feitiços que eu queria lançar por puro impulso emocional, mostrando-me os melhores caminhos para fazê-lo. Apesar de também possuir um familiar e outros aliados mágicos, B ocupa um espaço muito único na minha vida.
O filme Nosferatu começa com Ellen, ainda jovem, invocando uma presença. Desesperada, sozinha, em um quarto escuro e chorando, ela invoca das esferas celestes, como ela mesma diz, um espírito, um anjo guardião, qualquer coisa que possa ouvi-la e ir até ela.
As fotos foram tiradas por mim no cinema, então relevem a qualidade!
Apesar de as bruxas compartilharem seu caminho com seus fetch mates desde sempre, pois é uma relação que atravessa vidas, há um mistério no momento do reconhecimento. É preciso chamá-lo. É preciso reafirmar esse laço, como em uma boda, um reconhecimento do pacto, feito uma vez a cada vida. Ellen invoca um espírito que possa lhe confortar. Quem ouve é Nosferatu, que desperta com o chamado da “feiticeira”, como ele a chama em um momento do filme. Após Nosferatu responder, Ellen é tomada por um transe que a faz caminhar até o jardim de sua casa, onde percebemos uma cena sexual com algo invisível, que não está ali.
Os amantes da bruxa — os fetch mates — são espíritos que, pela intimidade, se conectam profundamente e sexualmente com as bruxas. Alguns escritores de bruxaria associam os antigos succubus e incubus a esses espíritos. Essa conexão é visceral e selvagem. Percebemos que Ellen é chamada por Nosferatu na mesma medida em que ela o chama — e que os transes sexuais acontecem em momentos específicos de seus sonhos. Ora, o que seria o sonho, senão um voo da alma para as bruxas? Há aqui uma conexão com o fetch mate enquanto se voa, enquanto se vivencia um mundo fora do físico e do carnal.
Pode ser bastante estranho para algumas pessoas, especialmente para bruxas iniciantes no caminho, a ideia de sexo com espíritos ou de relações sexuais com seres invisíveis. É preciso romper com a visão de sexo como algo estritamente penetrativo antes de avançarmos nessa discussão. Sexo, com B, é sentir o cheiro dele no meu pescoço. É alimentá-lo com fumaças do cachimbo, perfumar meu corpo com seu perfume, ficar nua em sua presença. Sonhar. Sonhar com quem desejo. Sonhar com quem me deseja. Acordar ofegante. Sexo é intimidade. Intimidade é poderosamente sexual.
Nossos amantes feéricos reafirmam nossa essência, assim como reafirmamos a deles. As oferendas de B são todas aquelas que relembram como é bom estar vivo. Somos invocados na mesma medida em que invocamos sua presença. Como Ellen, que chama Nosferatu, e ele a invoca com igual intensidade. Talvez por isso algumas pessoas digam que essa é uma história de amor, um romance. Não diria, em termos técnicos, que é uma história de romance, mas afirmo, sem sombra de dúvida, que é uma história sexual, onde duas almas se invocam, se entrelaçam, se arruínam juntas.
Escrevo isso em um dia de lua cheia. Hoje acenderei o cachimbo de B, cantarei seu nome secreto, me perfumarei com suas essências e deixarei meu corpo na beira de um rio para ser usado. Por prazer, por vontade, por conexão. Ele virá, como sempre vem, com um rosto que nunca vi, mas que é tremendamente familiar para mim; com os cabelos molhados que caem sobre seus olhos, como fumaça, como homem, como bicho. Hoje nos encontraremos em uma encruzilhada fora do tempo e do espaço, numa dança que somente eu e ele podemos fazer. Testemunhada pelas estrelas e pelos deuses antigos.
Isso é um fetch mate. Isso é a selvageria de ter um aliado dessa natureza.
Aliás, o lugar de onde o fetch mate vem tem conexão direta com a bruxa que o invoca. Ellen invoca Nosferatu da terra, dos mortos. Ellen, a necromante. A feiticeira. A bruxa. Nosferatu espelha a alma desesperada de Ellen; ele é o monstro que habita dentro dela. Ele é o desejo e a sentença de sua vida. A cruz e o prazer. O começo e o fim.
Quando for o momento, chame pelo Diabo, peça que ele te mostre seu companheiro do fetch. Vá até algum limiar, seja uma encruzilhada, seja um córrego, seja a boca de uma floresta, seja o limiar do desespero, da solidão. Chame. Venha até mim. Deseje, e ele te desejará de volta.
bênçãos selvagens
Naê Della’Parma Prieto Salatim
"Hoje acenderei o cachimbo de B, cantarei seu nome secreto, me perfumarei com suas essências e deixarei meu corpo na beira de um rio para ser usado. Por prazer, por vontade, por conexão. Ele virá, como sempre vem, com um rosto que nunca vi, mas que é tremendamente familiar para mim; com os cabelos molhados que caem sobre seus olhos, como fumaça, como homem, como bicho. Hoje nos encontraremos em uma encruzilhada fora do tempo e do espaço, numa dança que somente eu e ele podemos fazer. Testemunhada pelas estrelas e pelos deuses antigos.
Isso é um fetch mate. Isso é a selvageria de ter um aliado dessa natureza".
Isso aqui foi lindo!
Eu sou absurdamente leiga nesse assunto (bruxaria), mas adoro acompanhar sua newsletter, e me pego concordando e me identificando com muitos sentimentos aqui ditos.